Um dia, na casa do meu irmão mais novo, vi um quadro oval de família, no canto de seu quintal. Reconheci na hora que era o quadro antigo, que ficava na copa da casa de minha avó paterna, era um quadro de sua família... O quadro, já bem danificado, quase que perdendo a imagem, estava ali, respingado de chuva, maltratado, uma lembrança que o tempo estava levando...
Ele havia trazido o quadro e mais algumas outras fotos e lembranças da minha avó, do entulho que minha madrasta havia feito, após a morte de meu pai, das lembranças de minha família...
As lembranças de nós são como extensores de um tempo, se não há mais ligação, ela se romperá e será abandonada... Como nossas relações, que precisam sempre de cuidado e de renovação, se não morrem nos entulhos dos outros...
Então, procurei quem pudesse resgatar a lembrança, a memória e as histórias. Fiquei muito feliz com os resultados, pois além desse, me trouxeram outras lembranças...
Ele havia trazido o quadro e mais algumas outras fotos e lembranças da minha avó, do entulho que minha madrasta havia feito, após a morte de meu pai, das lembranças de minha família...
As lembranças de nós são como extensores de um tempo, se não há mais ligação, ela se romperá e será abandonada... Como nossas relações, que precisam sempre de cuidado e de renovação, se não morrem nos entulhos dos outros...
Então, procurei quem pudesse resgatar a lembrança, a memória e as histórias. Fiquei muito feliz com os resultados, pois além desse, me trouxeram outras lembranças...
A menina do meio (minha avó) recebeu o nome de Octacília Ferigatto, seu pais, Primo Ferigatto e Angelina Volpi, estão logo atrás. Ela teve uma irmã e dois irmãos e vou contar um pouco da sua vida...
Ela sempre será minha Vó Turça...
Como eu não tenho mais a quem perguntar e minha memória para datas é péssima, só vou descrever as lembranças através das imagens que tenho hoje restauradas.
Ela me contou que seu pai fugindo da Segunda Guerra, veio com a família inteira da Itália no porão de um navio. As condições de higiene da viagem eram péssimas, chegaram após meses, entre ratos e doenças, muitas pessoas morriam nestes porões, destes navios trazendo muitos imigrantes italianos. Não sei dizer se primeiro ficaram em São Paulo ou Campinas, mas me contou que seu pai procurava trabalho e com dificuldades de encontrar, pois havia muitos imigrantes, sua esposa, ainda amamentando, viu um anuncio no jornal, em busca uma "jovem ama de leite, branca, saudável e que parlava italiano" assim, resolveu candidatar-se.
A família que contratava, era a família Matarazzo.
Essa com o bebê no colo era a minha bisavó Angelina. Os demais, integrantes da família Matarazzo, que parte da minha família trabalhou por muitos e muitos anos para eles em suas casas e empresas...
Então minha bisavó, recebia uma cesta de frutas, pães e leite para que pudesse se alimentar bem e ter farto e bom leite... Minha avó contava-me que sua mãe lhe disse que, a cesta era tão farta, mas tão farta que alimentava a família toda e sobrava... Meu bisavô ficou um pouco mais tranqüilo, pois já não passavam mais fome.
Depois do desmame, minha bisavó precisou se afastar do garoto, então proibida de te-lo novamente em seus braços, porém sem esquecê-lo, ia até o porão que dava para o jardim, e ficava observando-o pela janelinha, de longe, o garoto que passava de carrinho com a babá, assim em lágrimas e distante, ela o viu crescer...
Crescia assim como seus filhos... Continuou na casa como doméstica e depois minha avó, com 12 anos, já a ajudava no enorme casarão...
Minha avó tinha a escada de mármore branco como sua maior lembrança, ajoelhada por horas, o quanto a limpava para que pudesse assim manter seus degraus alvos e soberbos... Pois quando abriam a grande porta de madeira da entrada, lá estava ela cuidadosamente longa e branca, para quem quiser admira-la...
Quando se tornou moça, causou-se com meu avô, Mario Pagano, e assim passou a se chamar Otacilia Pagano, sem o C no Octacília e sem o Ferigatto... Somente Pagano.
Para esta foto ela conta que faziam na época, na falta de algum dente, uma massinha de cera e colocavam no lugar do dente para o "retrato", assim parecia que ela e as demais jovens tinham todos os dentes, mas naquela época jovens pobres como ela já não tinha esses lindos dentes...
Casou-se cedo. E sempre desejou muitos filhos, mas meu avô não! Então ela só conseguiu ter dois filhos, meu pai (o garoto na foto abaixo) e minha tia... A segunda a coitada precisou enganá-lo... Conta que enrolava uma faixa de tecido bem forte, apertando a barriga todos os dias para que ele não percebesse que estava grávida, pois se não ele pedia para ela tirar. Minha avó fez abortos a pedido de meu avô e ela tinha muita raiva dele por causa disso...
Ela sempre sofreu muito, pois ele era muito machista e não admitia que ela nem se sentasse à mesa para fazer as refeições com ele... Eram épocas bem difíceis financeiramente e a mulher agüentava muitas situações de privações, muito trabalho pesado, humilhações e o descaso da sociedade tão machista e preconceituosa...
Quando ele morreu, para ela foi um grande alívio...
Minha avó, me ensinou a gostar de todos os pães e suas torradas, me ensinou fazer macarrão de cortar na mesa com a faca, me ensinou comer polenta cozida, frita e no leite, coisas simples e gostosas na cozinha, como bolinho de chuva, bolo sem sabor para tomar com café, mata fomão quando não há bolo nem pão, gelatina de erva cidreira e erva doce... Coisas que tínhamos no quintal e misturávamos com farinha ou maizena, com açúcar e margarina, com sal e com fermento e matávamos nossa vontade do doce ou do salgado...
Minha avó, me ensinou a restaurar coisas, emendar, remendar e costurar...
Minha avó, me ensinou a acreditar nas histórias de fantasmas, de sacis, de lobisomem, mula sem cabeça, entre outras da roça que seu pai lhe contava...
Minha avó, me ensinou o poder dos chás e dos matos...
Minha avó, me ensinou a amar as plantas, as flores, os pássaros e de como cuidar dos animais...
Minha avó, me ensinou que é obrigação nossa "ser feliz" , mesmo não tendo "nada" para ser...
Minha avó, me faz tanta falta hoje, que a restauro a cada dia em meu coração, assim colocando suas memórias em minha sala para que a lembrança dela nunca desbote ou fique esquecida, pois é através de suas imagens que sempre lembrarei sua história...