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Passaram-se alguns meses e o ex da minha mãe aparecer, apartamento montado, as mágoas superadas e porque não, retomar? O problema é que minha mãe quando namora, não consegue dividir, ela se dá tanto na relação que se esquece dos filhos, sempre foi assim, ela tem muita dificuldade em partilhar seu amor e sua dedicação, então tudo voltava ao normal, sim o sonho se desfazia: "Andrea minha filha, você não tem nenhuma amiga assim para ir dormir fora?" "Eu não mãe, ainda não fiz amizades, ainda.."- "Nossa, você precisa ser mais comunicativa, não sai de casa, só vive enfurnada aqui dentro... Precisa namorar... Sair..." - É?? Tirou-me do meu mundo, do meu emprego, acabou com minha rescisão, meu namoro e eu tinha que ser expandida? Ah sim...E durante a semana, "Precisamos economizar heim!" - Muitas privações durante a semana, para que pudéssemos viver a família do comercial da margarina nos finais de semana, quando o namorado estava presente, em sua suíte presidencial, com direito a Balantimes 12 anos, refeições glamorosas e o ninho de amor limpíssimo: Lindo, o cenário perfeito para que ela pudesse sempre mostrar sua superioridade, que não estava precisando dele para nada e eu minha infelicidade...
Perguntando-me o porquê tudo se repetia, como um filme que eu já havia visto muitas e muitas vezes...
Um dia, estava assistindo filme com eles na sala e larguei a manta em cima do sofá, minha mãe falou "Andrea leva a manta para seu quarto, não quero bagunça!" - Eu com muito sono... Fui para o quarto e a ignorei. Ele ficou muito bravo com meu desrespeito, como eu, a filha tratada a pão de ló, deixava a manta para a coitada da mãe que trabalhava fora o dia todo para me sustentar, deixará a manta ali e ia dormir com descaso? Falou-me "Você não ouviu sua mãe não?? Eu, respondi, pensando: (Ah tá agora ele vai querer também mandar em mim, já não basta os pingos de xixi dele no vaso que tenho que limpar, ainda vou ter que ouvir), ele então falou: "Venha aqui agora pegar a manta! Obedeça a sua mãe!"
Levantei e fui lá e despejei todos os engasgos... Disse tudo: Que eu comia ovo a semana toda para ele tomar seu Balantimes 12 anos, que eu que limpava a casa, suas sujeiras, que ela ficou em Campinas por causa dele sem recurso para nada e qual eu que tive que ajudá-la... Porque de uma hora para outro eu virei um entulho, uma empata, um peso, como sempre foi percebendo que fui enganada de novo!
Ele ficou muito sem graça, ele não esperava! Minha mãe ficou com vontade de me esganar só com o seu olhar fulminante, lógico desmanchei seu cenário, sua farsa!
Nunca fui uma filha quieta ou obediente, era respondona, desobediente, independente, mas fiel e companheira, hoje vejo que eu tinha muito pouco porque havia recebido o mínimo, o menor, o pouco...Mas ainda não sabia dentro de mim transformar aquele pouco em muito, hoje eu sei que é possível! E nas minha construção de um ser que vivia sendo demolido, conheci a possibilidade de fazer bons alicerces, tijolos contruidos não só a dois....
Comecei namorar com meu ex marido, ele tinha uma locadora de vídeos no bairro onde morava com minha mãe em Osasco, bem em frente onde eu descia do ônibus quando eu voltava da escola (estava terminando o terceiro colegial). Ele é alto, era muito bonito, simpático e extremamente educado. Alguém para me salvar o coração? Voltava da escola, passava na locadora e ficava ali à tarde, conversando com ele, achando que era impossível um cara daqueles se interessar por uma moça com roupas tão velhas como as minhas... Lembro-me um dia que ele me disse que me reconhecia pelos tênis, nos degraus do ônibus, tênis com o solado abrindo na frente... Rsrsrs... Isso porque minha mãe fazia eu buscar seus "taier" quinzenalmente na costureira do bairro, sempre muito elegante, eu realmente não parecia sua filha...
Foi tudo muito rápido, começamos a namorar e logo nos tornamos inseparáveis... Minha mãe lógico adorou a possibilidade de me ver longe dali nos finais de semana e eu uma maneira de fugir do teatro de mãe carinhosa e zelosa nos finais de semana... Perfeito!
A mãe dele não gostou de mim, claro, eu pobre e ele não rico, mas de família bem melhor que a minha, comerciantes, tinham lotérica, locadora, lava rápido, banca de jornal e revistas, moravam em um bairro nobre, casa bem grande e eu a descuidada pela mãe... Pela vida...
Como contar para a família de seu namorado que seu pai quando bebe dá tiros pela casa para se divertir e se tem que ir para debaixo da cama ou pular as janelas porque o pai ouvindo Pavarotti ou Frank Sinatra, enlouquecido com a bebida, fazia o teto da casa de minha avó, construída a no mínimo 40 anos, de peneira só porque achava divertido... Para simplesmente rir! Ou dizer que ele tinha muitas armas diferentes, baionetas e facões de Samurai, apaixonado por todo tipo de arma, brincava, insano e embriagado de furar as coisas... Rasgar travesseiros e colchões... Cortar objetos para assim testar a exatidão das lâminas de sua coleção...
E era assim que se vivia com meu pai quando minha mãe resolvia compartilhar a guarda com ele...
Ou dizer que se prefere dormir lá, não para transar com o filho dela, engravidar para fugir de casa... Não isso ia demorar muito... Queria ficar lá para fugir naquele dia mesmo, naquela hora, na hora da janta, do café da manhã... Tinha que ser para o dia... Sempre para o dia...
Passei a vida fugindo das pessoas e de seus teatros... Dos seus shows! Do seu melhor e do seu pior, fugia do caos e das situações de plena felicidade, fugia da falta do amor, fugia dos excessos...
Mesmo porque ninguém acha isso possível... Ou era exagero meu, ou eu era um ser revolto, porque quando eu mencionava algum fato da minha vida, as pessoas simplesmente não acreditavam! Eu via isso em seus olhos, porque as pessoas acham que sempre estamos exagerando, inventando, criando artifícios para sermos aceitos e amados, mas tudo que relatei e relato agora são fatos tão reais que muitas coisas eu simplesmente esqueci... Às vezes o Carlos me pergunta sobre fatos no Brasil e no mundo, ou desenhos e musicas de nossa época e muitas coisas simplesmente passaram e eu não vi, eu não vivi, porque eu estava mergulhada nas minhas questões, nas minhas angústias, fugindo de fatos e lugares e quando a gente corre, nós não olhamos para o lado, não admiramos as paisagens, não vemos os detalhes...
As essências e os perfumes...
Era véspera de Natal, eu ansiosa para passar com ele, sabe aquele começo de namoro, a paixão, me lembro que quando eu ia à locadora e ele pegava na minha mão, como pretexto para falar alguma coisa, meu coração batia tão rápido que eu poderia sentir em minha blusa... Eu ficava contando os minutos na escola para que na volta, próximo ao horário do almoço eu pudesse parar ali e ficar falando dos filmes, de ver seu rosto, seu sorriso, ele tinha tanta alegria, tanta vida, que eu queria um pouco para mim! Sua família, com pai e mãe em casa, irmãos, tudo isso era tão atraente, tão importante...
Meu irmão mais velho, um dia numa praia em Vitória, conheceu sua primeira namorada, moça simples, do interior do Rio, família grande, resolveu casar em menos de um ano... Vivíamos em busca de um pouco de afeto, um pouco de amor, um pouco de gente normal e quando achávamos não perdíamos tempo... Conheceu-a em julho e marcou o casamento para dezembro. Ele se casou na cidade dela, a 16 horas de SP, Itaperuna, interior do Rio, divisa com o Espírito Santo, no dia 27 de dezembro, minha mãe ordenou: "Você vai passar o Natal conosco, lá em Itaperuna, e ficaremos na casa da noiva dele até o dia do casamento!" Falei nãooooo! Não posso! O namorado, o Natal com ele...Estou tentando me aproximar de sua família! Não posso! - Ela não deu chance- Se você não for, te ponho na rua!
Minha mãe sempre resolveu as coisas conosco assim: Desobediência doméstica: Apanhava ou ficava de castigo (também já chegamos a ir para o chuveiro gelado para pararmos de brigar). Tínhamos uma tabela na casa dela, ela mandava emplasticar para não rasgarmos, eram as obrigações de domingo a domingo, roupa, louças, banheiro, etc., Ela com justiça, dividia todas as tarefas, tarefa cumprida, escolhia um passeio no final de semana, um dos três não cumprisse algum item, nenhum dos três saiam. Outros momentos o castigo era morar com meu pai ou com algum parente que nos quisesse! E cumpria isso a risca... Depois acho que se arrependia e ia nos buscar... Depois fazia tudo de novo e de novo e de novo... Isso desde que tínhamos 8, 10 anos...
Chegamos a Itaperuna, Pequena... Muito quente e feia! Iríamos dormir com pessoas que jamais vi antes, minha mãe empolgada por meu irmão relatar que a família da moça tinha um grande comércio na cidade, um grande casarão de três andares. Muito empolgada, porém preocupada com a possibilidade do casamento não acontecer, pelo fato de que a família dela soubesse que ele vinha de uma família de pais separados. Eles mentiram, sim eles disseram que tinham uma família perfeita! O namorado da minha mãe era o pai e vivíamos todos em perfeita harmonia!
Ótimo se meu pai não aparecesse com sua mulher espetaculosa , com minha avó e irmão mais novo, no dia do casamento logo pela manhã...
Claro que não tinha lugar para nós na casa, Claro que se estivesse minha mãe não ia ficar depois que ela viu onde e como, Claro que ela se arrependeu até a morte de ter ido antes do Natal lá, Claro que eu fiquei muito brava com toda àquela situação... O que eu estava afazendo lá? Poderia ir sim ao dia do casamento, mas todos àqueles dias só para que ela mantivesse uma mentira, as aparências?
Bem fomos para o único hotel da cidade, não tinha T.V, apenas um ventilador velho, ruas de terra (inclusive da casa da noiva), muito pó, somente uma pracinha identificando o centro, calor de 200 graus, porque além de ser dezembro a cidade fica entre dois morros e não circulava ar... Para se ter uma idéia do calor, piquei 18 kilos de pimentão para o vinagrete para a festa do casamento e azedou tudo, da tarde para a noite... Fora que azedou os frangos que o pai da noiva havia matado de madrugada, só não azedou o porco, morto pela manhã, porque já o colocaram para assar e assim ficou até na hora da cidade inteira, que foi convidada para a festa o atacar!
Eu nem vi os noivos na festa. Tinha tanta, mas tanta gente que era impossível achar alguém lá...
Antes da festa aquele silencio mórbido porque o meu pai chegou com sua companheira e logo a família soube que se tratava de uma família com mais podres do que os frangos assassinados pela manhã... Enfim, meu pai com 50 anos, acabará de ter tido duas lindas gêmeas e quando ele chegou e após alguns momentos de revelações e estranhamento... A coisa dissipou e eu fui muito curiosa saber das meninas, queria muito ver fotos, pois elas tinham ficado com a avó materna em Campinas, devido à longa distancia para assistir ao casamento...
Minha mãe ficou brava pelo fato de eu ter ficado durante o dia da festa e na festa com o meu pai e a mulher dele, não foi nada proposital e nem dava preferência a ele, porém o fato dele ter tido duas lindas meninas, me deixou curiosa, encantada, próxima deles pelo nascimento, é óbvio... Mas ela não aceitou ficar só, diante de tudo que havia acontecido, não gostou dos meus movimentos, frente à nova família do meu irmão, sentiu-se humilhada e só perante todos!
Na verdade já estava envergonhada pela mentira, por ter que pedir para o namorado não aparecer, pois meu pai mesmo com filhas recém nascidas iria sim à festa, envergonhada de ter vendido para aquele povo simples, humilde, mas de coração puro, a farsa da família perfeita, porque meu irmão não conseguia admitir seu pai e sua madrasta alcoólatras e sua mãe com outro homem... Nestas cidades ainda havia muito preconceito com as "largadas do marido", como muitos dizem...
Na festa muita confusão, muita gente, chegou no meio do barulho e no meu ouvido disse: "Você se vira para ir para SP, estou indo embora agora!" - E simplesmente saiu!
Lógico que eu não acreditei que ela iria ir embora da cidade, me largando no meio da festa, numa cidade que ficava 16 horas de SP, sem dinheiro, meu pai com o carro cheio, pois além da minha avó, meu irmão mais novo estava com ele... Minha avó paterna ainda foi atrás dela na festa e ela muito grossa, falou para minha nona cuidar da vida dela!
Enganei-me! Ela foi embora à mesma hora, foi no hotel, fechou a conta, deixou minha mala pronta na recepção do hotel e partiu sem me deixar nada...
Fomos embora pela manhã, apertados, minha avó sufocando na parte de trás, viagem tensa e cansativa, chegamos em Campinas pela manhã e na mesma hora fui à rodoviária peguei o ônibus para Osasco... Me arrastando fui...
Cheguei ao apartamento na parte da tarde, antes havia passado na locadora, fui ver o namorado, abraça-lo, contar o que havia acontecido, mas logo fui para casa, precisava de um banho e descanso... Muita viagem... Muito pó e muito calor! Estava exausta por tudo, no físico e no mental... Não via a hora de tomar banho no meu banheiro, sentir o cheiro do meu travesseiro, ah descansar de tudo aquilo!
Quando fui abrir a porta, percebi que estava trancada, apertei a campainha e nada... Ouvi barulho da máquina de lavar roupas, toquei de novo... Nada, pensei: "Será que ela dormiu??" "Ou foi tomar banho??" Esperei alguns minutos, toquei a campainha e nada...
Em frente ao nosso apartamento tínhamos uma vizinha, não gostava muito dela, tinha dois filhos hiperativos e por conta disso, dopava-os com antialérgico, eles dormiam o dia todo e ela mentia para o marido que as crianças eram super alérgicas... Horrível aquela mulher! Mas resolvi tocar a campainha dela para ver se ela sabia de alguma coisa...
Ela me disse que minha mãe havia chegado sim que tinha ouvido barulho dela saindo... Pediu que eu entrasse e contasse sobre o vestido da noiva... Essas curiosidades sobre casamento, o que tinha para comer, etc.
Fiquei lá uns dez minutos, pudemos ouvir o barulho da minha mãe chegando... Terminei o café que ela havia passado só para eu tomar e contar... Peguei minha mala e fui... Quando tentei abrir, fechada apenas com a corrente, falei; "Mãe sou eu, pode abrir... - Se soubesse o que iria acontecer, não teria entrado!
Ela havia separado uma cinta, jogado minhas roupas num saco de lixo preto e quando entrei levei uma surra de cinta, na qual marcou meu rosto, minhas pernas e meus braços... Não derrubei uma só lágrima, não fiz um só movimento, deixei que ela descarregasse toda a sua ira, sua impotência frente o fracasso de uma farsa mal sucedida, uma suposta humilhação, deixei ela me marcar o quanto pode e quis, porque seria a ultima vez que tocaria em mim... Jurei a cada cintada que recebia que nunca mais veria aquela mulher amarga, infeliz, mentirosa... Como senti raiva aquele dia! Assim que ela terminou, pegou o saco com minhas roupas me entregou e disse para eu ir embora para a casa do meu pai, pois com ela eu não moraria mais... Sim, ela encontrou a desculpa perfeita pra colocar aquele móvel que não servia mais na rua! Eu tinha 18 anos e fui jogada na rua de novo!
Ela sempre colocava nossas roupas em sacos de lixo preto, grandes e reforçados... Junto com as roupas, também as lembranças, os desenhos, as cartinhas , os presentinhos escolares de Dia da Mães... Sempre fomos jogados com todas as nossas partes... Sempre!
O que fazer nesta hora? Eu sem emprego, sem dinheiro nem para voltar para Campinas e sendo essa opção voltaria as alucinações do meu pai com minha madrasta, ao sofrimento de minha avó assistindo tudo isso de camarote, meu irmão se drogando com os amigos... Eu não queria mais! Eu já tinha pulado desta página, eu já tinha conseguido ir mais além, eu já havia feito esta conquista, já tinha este troféu na minha mão, como poderia recomeçar aquela partida de novo! Eu não podia, por orgulho, por fraqueza, sei lá, mas não podia, nãooooooooooooooo
Fui até a locadora, de novo, marcada, chorando com o saco preto nas mãos... Ele me abraçou e por muito tempo chorei atrás do balcão, nos fundos...onde ninguém pudesse me ver, escondida, num buraco de tristeza e vergonha... Vergonha das marcas... Tristeza da vida, cansada de tudo, cansada de mim...
O amor nos faz somente cegos quando ele nos toma, mas nos torna cruéis, desprovidos de alma, na falta dele. Precisamos do amor para que possamos não só viver, mas que possamos com os nossos frutos alimentá-los, porque a falta de amor pode ser uma doença congênita, mas há remédio, há cura, há qualquer momento que se deseje amar alguém, procure a Deus, pois ele nos restabelecerá e nos alimentará a cada dia para que nossos simples sentimentos transformem-se em atitudes de amor... Eu precisava de atitudes de amor comigo... Eu precisava de atitude de amor!
Por favor alguém me ajude!
(continua)